terça-feira, 31 de maio de 2016

A CASA DOS SONHOS (OU SERIA: O SONHO DA CASA?)

Para minha poetisa de metáforas valiosas, Socorro Duran

          Eu vivenciei um sonho com os olhos bem abertos, mais precisamente dentro de uma casa. Tudo começou com um convite para uma confraternização literária. Esse é o tipo de festa que eu gosto e faço o possível para não perder. Porém, a festa não seria em minha cidade e eu não teria transporte para retornar à minha casa. Fui então justificar minha ausência numa mensagem. Nesse momento, uma surpresa, outro convite:
            - Venha! Você dormirá em minha casa. Será um prazer tê-la comigo!
            - Ôba! Sendo assim, pode me esperar. Chegarei às 19h:00.
            E tudo saiu como o combinado. Ao chegar à cidade do evento, liguei para a pessoa que me convidou, perguntei como faria para chegar à sua casa, pois eu nunca tinha ido lá. Essa pessoa recebeu meu telefonema com alegria na voz, perguntou-me onde eu estava e disse que iria me buscar. Fiquei esperando, ela chegou dois minutinhos depois.
Sempre que recebo um convite para dormir na casa de alguém, não espero muito quanto à recepção. Sou uma pessoa simples e idealizo apenas um colchonete, um travesseiro, um lençol, chuveiro, pronto! Para mim é o bastante. Não tenho o hábito de ficar observando o que tem ou deixa de ter na casa das pessoas que eu entro, aprendi na infância que isso é um costume muito feio. Mas não observar a beleza daquela casa foi algo impossível, porque a minha amiga fez questão de mostrar-me cada pedacinho dela. Saiu me puxando pelo braço. De antemão, confesso que fiquei encantada com tudo o que vi e tudo o que me foi relatado com riqueza de detalhe.
Logo na entrada, um belo jardim. Tem uma palmeira bem incomum que eu observei com cuidado porque gosto muito de árvores. Um terraço com móveis antigos, rústicos, muito belos. Uma imensa árvore de Natal na sala, bem ornamentada e brilhante. Voltei meus olhos para ela. Minha amiga disse logo: “Venha, vou te levar ao seu quarto!”. Era uma suíte, com três camas, para eu escolher em qual delas dormiria. E na minha cabeça: “Uma suíte? Três camas? Mas eu só precisava de um colchonetezinho...”
            As paredes eram revestidas de cultura pura. Numa delas, um quadro de outro país que foi pintado à mão, numa folha seca de uma árvore. Uma perfeição! Um presente de um amigo religioso que hoje está ao lado do Papa Francisco também estava pendurado na parede. Fotos antigas. Uma delas, era do avó montado num cavalo e bem ao fundo eu observei algo que parecia ser um cafezal. Lembrava cena de uma novela de época. Viajei naquela imagem. Nessas paredes que possuem portais mágicos para outros mundos, existiam quadros de vários lugares nacionais e internacionais. Artesanatos indígenas nas paredes de outro cômodo. Porcelanas portuguesas pintadas à mão na parede do terraço. Na do quintal, uma pintura de uma Santa, feita por uma artista especial: a neta mais velha. E acredite: uma bela pintura!
            Lá no corredor, que geralmente é um lugar que apenas dá acesso a outros cômodos da casa, eu vi livros do século passado. Nunca pensei que fosse conhecer um corredor tão culto.
Medalhas, bilhetes, fotos, histórias, num móvel que só faltava falar. Eu passaria horas naquele corredor, sem sombra de dúvidas, mas a casa era muito grande e sua dona estava ansiosa para me mostrar o restante.
            Na sala de estar, cristaleiras repletas de coisas finas. Também havia um móvel com alguns materiais de colecionador. Minha amiga é colecionadora de dedais, nunca conheci alguém que tenha tido a ideia de colecionar esse tipo de coisa. Sua coleção está perto de chegar à casa dos cem. Eu só conhecia o dedal tradicional, aquele de prata, simples. Fiquei surpresa com a diversidade desse tipo de objeto que ela conseguiu adquirir ao longo da vida. E o mais interessante é que ela não sabe costurar, ou seja, nunca precisou de um dedal na vida e tem quase cem deles! Na parede da sala, além de quadros, um relógio de corda muito bonito. No teto, lustres finíssimos.
            A cozinha tem tudo que uma boa dona de casa precisa para fazer um belo banquete, sei que nunca terei uma cozinha semelhante porque odeio cozinhar. Mas dava gosto de olhar cada detalhe daquele ambiente. Tinha uma escada que dava acesso ao primeiro andar. Fui avisada: Lá em cima temos a biblioteca do meu marido e o nosso quarto. Nesse momento bateu uma tristeza rápida. Para muitos, a cozinha é o coração de uma casa, para mim não! A biblioteca é o coração da casa e como ela estava localizada perto do quarto dos donos daquele lar, acreditei que eu não seria levada lá. É uma intimidade muito grande para uma visita de primeira viagem. Mas para a minha surpresa, fui convidada a conhecer mais esses dois cômodos.
Subimos! Meu Deus, que biblioteca! Meus olhos ficaram confusos, não sabiam para onde olhavam primeiro. Uma estante com muitos livros criteriosamente organizados, ela me garantiu que se alguém tirar algum livro dali, o marido sente falta rapidamente. Outro móvel que serve como organizador de pastas. Duas mesas, uma delas com um computador, na outra, a foto da mulher amada. Um lugar de paz, sonho de qualquer escritor. Quando eu desci, parabenizei ao marido da minha amiga e ele me deu um sorriso tímido quando eu falei:
- Sua casa é encantadora, aqui se respira cultura, mas o cômodo que eu mais gostei foi o da sua biblioteca. Que perfeição! Eu não tenho casa própria ainda, mas eu cometo a ousadia de pedir permissão para voltar aqui assim que eu puder construir a minha casa. É exatamente uma biblioteca daquela que eu preciso para mim. Venho fotografá-la!
- Fique à vontade, minha filha.
Ele é um sujeito recatado, que fala pouco e em tom de calmaria, mas quando resolve falar só diz maravilhas. A sabedoria dele sai até pelo olhar. Homem culto e finíssimo. Que família linda. Conheci uma das filhas e duas netas, entre elas, uma menina de apenas três meses, me recepcionaram muitíssimo bem. A netinha nem chorava, ela era parte da paz daquela casa. Olhava para mim e me presenteava constantemente com o belo sorriso sem dentes tão típico da idade.
No quarto do casal, uma varanda que permitia à vista para o apaixonante jardim com a palmeira que eu tanto admirei. Ah, uma biblioteca não basta para um casal culto. Na casa tem a biblioteca do marido e outra que é da esposa. Mais outra infinidade de livros. Fiquei louca! Eu adoro isso.
Enquanto ela me mostrava sua casa, as bibliotecas, as paredes cultas, o corredor intelectual, ela me disse:
- Voltei da feira nesse instante, nem arrumei minhas compras ainda.
- Não se preocupe, eu a ajudarei nessa tarefa.
 Essa doce senhora nem parecia estar preocupada com a feira que tinha para organizar, pois estava calmamente declamando para mim um de seus poemas. Quanta honra! Uma casa que respira também poesia. E ainda me perguntou se eu tinha gostado...
Arrumamos a feira e logo em seguida fomos nos organizar para prestigiarmos o evento que me levou a conhecer essa casa. Fomos. A noite foi maravilhosa, poesia pura. Papo de gente inteligente. Eu aproveitei tudo daquele momento. Voltamos para casa quase duas horas da madrugada. Pensei que iria dormir, mas a minha atenciosa amiga apontou para uma lâmpada, daquelas de cabeceira e me disse: “Coloquei-a aí caso você queira ler algo antes de dormir”. Mais uma vez fui surpreendida naquela recepção calorosa: “Espere um pouco, tenho algo para você!”. Ela me trouxe um livro de sua autoria, sentou na cama ao lado e começou a relatar o escrito como uma verdadeira contadora de histórias. Isso me levou à minha infância, quando minha mãe contava algumas histórias para mim, sempre antes de dormir. Pensei: “Que privilégio, conseguir reviver os tempos de criança aos 34 anos de idade”.
Contou-me com entusiasmo “As lendas de Igarapeba” e eu fiquei imaginando como seria o “Homem das canelas grandes”. Seria ele assustador para as crianças igarapebenses? E a “Pedra que ronca”? Será que ela ronca mesmo? Fiquei com vontade de conhecer tudo! Arrependi-me porque não registrei o momento que ela me contava essas histórias com uma fotografia, mas depois me perdoei: “Ninguém consegue fotografar sonhos e o que eu estava vivendo naquele momento mágico era parte de um sonho”. Depois das histórias, tomei banho e fui dormir. Geralmente estranho a cama dos outros, o sono demora para me vencer, mas lá eu caí como “uma pedra que ronca!”
Acordei cedinho, a mesa do café já estava posta e logo após eu voltei para minha casa. Durante minha viagem de volta fiquei pensando na receptividade tão maravilhosa, naquela família tão incrível, na cultura das paredes, na sabedoria do corredor... O sonho que tive acordada foi lá na casa da amiga, poetisa e imortal da Academia Palmarense de Letras, Socorro Duran.
É o tipo de casa que sempre idealizei para mim. Tudo que eu vivi ali parecia um sonho. Mas, era um sonho de casa, ou a casa do sonho? Será que nesse caso a ordem das parcelas altera o produto? Acredito que não. A casa de dona Socorro Duran é mais uma prova que a Matemática é realmente uma ciência exata. Ou seja, é a casa dos sonhos e ela promove sonhos.



Obs: Texto escrito em 17 de dezembro de 2015. 

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