Na época da universidade,
minha mãe tinha um amigo roqueiro “muito cabeça”. Ele tinha iniciado um curso
de física e parou para cursar psicologia. No primeiro Rock in Rio, em 1985,
este amigo cabeça, convenceu minha mãe a acompanhá-lo a este mundialmente
famoso show de rock. Na verdade, minha mãe nunca curtiu rock, mas era
completamente apaixonada por Fred Mercury. Como ela sabia que este cantor seria
uma das principais atrações, deu sua palavra ao amigo: “Eu vou!”
Mas tinha um detalhe (os detalhes
sempre são interessantes): Ela era apenas uma universitária e não tinha
emprego, quem pagava seus estudos era minha avó Sílvia Reis. Minha mãe chegou em
casa “com a cabeça feita pelo amigo cabeça” e afirmando:
-Mãe, vou para o Rock in
Rio!
-Vai nada! Aquilo é uma
festa de doido, só tem maconheiro e você não vai de jeito nenhum!
-Vou porque eu já sou “maior
de idade” e sou independente!
Olha só que tamanha ousadia!
Nem trabalhava, minha avó já pagava a faculdade dela e ainda tomava conta de
mim, para que ela tivesse a oportunidade de estudar porque nessa época eu tinha
apenas quatro anos. Indignada, minha avó desafiou: "Quero ver como você vai
arrumar dinheiro para fazer essa viagem!".
Isso não era um problema.
Minha mãe não tinha emprego fixo, mas sempre teve muito talento para vendas. Certa vez ela conseguiu vender um brinco que estava na orelha da minha avó.
Nessa época ela vendia bijuterias e uma de suas clientes, chamada Sônia, olhou
todas as bijuterias disponíveis, mas achou de gostar justamente do brinco que
minha avó estava usando. Prontamente minha mãe falou:
-Você quer este brinco? Eu
vendo!
Minha avó sem acreditar, questionou:
-Como é a história? Você vai
vender o brinco que está na minha orelha?
-Vá mãe, tire o brinco! A
senhora não está vendo que Sônia gostou do seu brinco? A cliente sempre tem
razão, me dê o brinco que depois lhe dou outro!
E vendeu!
Com todo esse talento e
criatividade, não foi difícil arrumar o dinheiro para a viagem. Ela pegou todas
as bijuterias que tinha em casa para vender e resolveu fazer uma rifa. Quando
ela chegou à faculdade e contou para os amigos o “drama” dela e a paixão por
Fred Mercury, todos a ajudaram.
Cumpriu a palavra, foi para
o Rio de Janeiro. Lá chegando, ficou hospedada na casa de uma prima nossa, Carmem, e foi muito bem recepcionada. Pela manhã, tomava café ao som de
um piano, porque minha prima toca divinamente e era um ritual dela só sair para
o trabalho depois de tocar esse instrumento. No jantar, comia caviar e tomava vinho.
Conheceu os principais pontos turísticos do Rio e estava se sentindo uma
rainha. Mas ela não sabia o que a aguardava...
O Rio de Janeiro estava em
festa, não se falava em outra coisa. Os ônibus só tocavam rock, os shows
praticamente começavam pelo meio da rua. Ela estava radiante de felicidade. Apesar de ter sido
imperativa com minha avó, elas duas são unha e carne, então todo acontecimento
era motivo para minha mãe ligar para minha avó:
-Mãe, aqui está maravilhoso!
-É mesmo? Você já viu Fred
Mercury?
-Ainda não. Ele vai se
apresentar amanhã, mas o Rio está em festa, a senhora precisava ver a animação
desse povo, tem gente do mundo inteiro!
Por incrível que pareça,
minha avó ficava animada em saber as novidades e minha mãe ficava satisfeita
com a animação dela, mas não esperava o que estava por vir...
No dia da apresentação de
Fred Mercury, minha mãe chegou ao local do show com dez horas de antecedência.
Conseguiu o melhor lugar, ficou cara a cara com seu ídolo e não duvido nada que
ela tenha conseguido o feito de cantar “Love of my life” mais alto que o
cantor. Estava deslumbrada, até hoje, afirma que realizou no Rock in Rio um dos
maiores sonhos da sua vida.
Acabada a temporada do rock,
minha mãe começou a arrumar as malas para voltar à vida “independente”. Gastou
todo o dinheiro nos shows e chegou em casa mais lisa que muçum. Minha avó
estava morrendo de saudades dela, conversaram muito, mainha contou os mínimos
detalhes e a emoção em ver Fred Mercury de pertinho. Tudo estava bem, ou pelo
menos parecia...
A data da renovação da
matrícula da faculdade estava muito próxima. Minha mãe tinha apenas três dias
para resolver isso. Passou o primeiro dia, o segundo, quando foi no
terceiro, tomou uma dose de coragem forçada e pediu para minha avó:
-Mãe, me dê o dinheiro para
eu renovar a matrícula da faculdade.
-Como é a história? Você
quer dinheiro pra quê? Para renovar a matrícula da faculdade? Lembra que você
disse a mim que é independente? Quem é independente tem condições de pagar a
faculdade. Se vire!
-Deixe de brincadeira, mãe!
Me dê o dinheiro, hoje é o último dia...
-Eu disse que você não fosse
para aquela festa de doido, foi porque quis. Vá trabalhar e pague sua
faculdade.
E não deu o dinheiro mesmo
não!
Mainha entrou em desespero,
foi para a faculdade ver se conseguia negociar (afinal, negociar é a praia
dela), mas tinha um porém...
A diretora da faculdade era
uma freira e mainha ficou pensando: “Pronto, se eu disser para esta senhora tão
religiosa, que gastei o dinheiro da matrícula porque fui para o Rock in Rio,
ela vai agir como minha mãe e vai dizer: “foi para aquela festa de doido porque
quis, perdeu sua matrícula!”. Ela começou sua negociação:
-Irmã, eu estou sem o
dinheiro da matrícula e não posso deixar de estudar.
-O que você quer que eu
faça, minha filha?
-Quero que a senhora faça um
termo de compromisso para eu assinar. No final do ano (isso era fevereiro
ainda...) eu pago todas as mensalidades.
Tinha uma engraçadinha na
fila que disse: "Você vai ganhar na loteria?".
Inacreditavelmente, ela
conseguiu convencer a freira, assinou o termo de compromisso, concluiu a
faculdade, pagou sua dívida com o dinheiro da venda das bijuterias e minha avó
nunca mais a ajudou com as despesas do curso. No embalo do rock, minha mãe
aprendeu o verdadeiro sentido da palavra independência. O mais interessante é
que até hoje elas moram juntas e são sentimentalmente falando, completamente
dependentes uma da outra, minha mãe diz que o amor dela por minha avó é “super
eterníssimo”. Até que o próximo Rock in Rio não as separe...
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