domingo, 1 de maio de 2016

SUÍTE 310

Ao acordar, Maciel perguntou-me se eu gostaria de caminhar pela praia à tarde. Topei de imediato, pois eu sabia que este programa estava longe de ser uma simples caminhada, ele sempre acaba aprontando algo e eu adoro isso. Logo depois do almoço, entramos no carro e começamos a procurar uma praia desconhecida para explorarmos. De acordo com as nossas estimativas, caminhamos quilômetros.
Bem no meio desse trajeto, tinha um hotel, mas não era um simples hotel... Paramos! Aquela imponente construção chamou imediatamente a nossa atenção pelas condições que se encontrava: Total abandono! Um prédio muito grande, três piscinas de luxo, estátuas destruídas e jardins devastados. Algo impressionante. Maciel ficou perplexo e eu ultrapassei esse estágio. O hotel havia sido depredado e visivelmente saqueado. Pias e torneiras arrancadas, fiações elétricas roubadas aos montes. As piscinas não possuíam mais nenhum azulejo, até eles foram roubados!
Impulsivamente, Maciel me puxava cada vez mais para dentro daquele hotel. Ele tinha em mente observar a estrutura do prédio, porque vive construindo casas e constantemente fotografa lugares que possam servir de modelo para uma de suas casas. Sempre que estou com ele, eu assumo esse papel de fotógrafa. Nessa tarde não foi diferente, registrei tudo o que achei proveitoso para ele. Olhamos tudo. A suíte 310 me chamou atenção, mais do que as demais, embora todas elas fossem exatamente iguais. O encantamento se deu pela localização, o banheiro dessa suíte ficava de frente para o mar. Eu nunca tive a oportunidade de morar em uma casa que fosse de frente para o mar e de repente me vejo em um banheiro, o lugar quase sempre menos privilegiado de qualquer casa ou hotel, que tinha uma maravilhosa vista para o mar. Senti-me pequena perante a vida. Tive um pensamento ridículo: “Um banheiro de grã-fino é mais privilegiado em termo de visão do que a minha própria casa?”. Aquela vista não saía de mim.
Excetuando esse encantamento, o restante do hotel causava muito medo. Escuro, frio, muitos morcegos, parecia cenário de filme de terror. A impressão que tive, era de que a qualquer momento apareceria um drogado ou maníaco. O medo estava claramente estampado em meu rosto. Uma sensação estranha, nunca sentida antes. Se eu estivesse sozinha, não teria coragem de adentrar ali jamais, mas Maciel estava comigo e isso me estimulava. Por um momento, olhei para ele e tive muita vontade de propor algo, mas desisti. Estava escurecendo.
No caminho de volta, conversávamos sobre a situação daquele hotel e eu me perguntava incansavelmente: “Como um hotel tão imperioso ficou daquele jeito?”. Quando chegamos em casa, tomamos banho, jantamos e deitamos. Foi na minha cama que veio a seguinte confissão:
-Sabe, amor, eu tive uma vontade absurda de fazer amor ali naquele hotel em ruínas.
-É sério isso?
-Muito sério. Ainda pensei em te propor isso, mas desisti porque estava escurecendo.
-Não precisava nem gastar suas palavras para me propor algo. Bastava apenas tirar sua roupa. Eu entenderia.
-Tive medo que entrasse alguém ali. Alguém disposto a fazer o mal.
-Essa parte aí você deixou transparecer. Eu vi o pavor em teu rosto, menina. Não imaginei que você estivesse com segundas intenções.
-Não consigo lembrar de um dia que eu tenha sentido mais desejo do que hoje. Você promete me levar lá novamente?
-Você sabe que preciso viajar bem cedinho amanhã, mas eu prometo te levar lá na próxima vez que vier para tua casa.
Nesse momento ele me abraçou fortemente e disse: “Você não tem juízo, menina...”.
Passamos um mês longe e durante esse tempo, apimentava minhas mensagens com cobranças do tipo: “Não demore! Preciso te sentir naquele hotel em ruínas!”. Isso caía como uma bomba nele, as respostas eram tentadoras e minha expectativa só crescia.
Numa determinada noite, cansada depois de um dia de trabalho, recebi dele essa mensagem enquanto eu já me preparava para dormir: “Chegarei amanhã para te levar no nosso hotel. Me espere! Se prepare! Vou satisfazer sua louca fantasia, garota maluca!”. Quase não consegui dormir! No dia seguinte, ele chegou, coloquei o meu biquíni, uma canga e partimos para o nosso prazeroso hotel. O relógio marcava 16h00 quando descemos do carro. O acesso não estava fácil. Tinha um banhista solitário que se posicionava bem em frente ao hotel e via claramente toda a nossa movimentação. O hotel ao lado estava em reforma e o pedreiro também tinha notado a nossa presença.
Bem, eu estava determinada. Eu queria satisfazer alguns desejos ali dentro e eu não sairia enquanto não conseguisse isso. Já havia esperado um longo mês por esse momento. Não tive dúvidas, dei uma de turista, peguei o meu celular e fiquei tirando fotos, para dar a entender que estava apenas fotografando um velho e abandonado hotel. Quando tudo parecia ter caído na normalidade e nós deixamos de ser objetos da curiosidade alheia, eu me assustei ao ver que do hotel saía um homem com um facão na mão: o vigilante!
-Macieeeel!!!! Tem um vigia lá!!!!
-Calma! Você me quer lá dentro, não quer? Eu te prometi isso. Vamos conseguir. Aja naturalmente. Continue batendo suas fotos e ignore completamente a presença daquele vigia.
Maciel apressou o passo e chamou o vigilante. O meu coração acelerou, as pernas tremeram e eu só tinha vontade de perguntar: “Você enlouqueceu?”. Na minha cabeça só passava a ideia que ele compraria de alguma maneira aquele camarada, que ofereceria algum dinheiro ou algo parecido. Eu olhava para aquele homem com um facão na mão e tinha muito medo, mas curiosamente, eu não tinha vontade de voltar para casa. Queria ir para a suíte 310. Mas como? Meus pensamentos estavam velozes em busca de uma solução e sabia que o mesmo acontecia com Maciel.
Maciel, com a maior naturalidade que se possa imaginar, chamou o vigilante, o convidou para sentar e começou a conversar sobre o estado de abandono que estava aquele hotel. Esse papo era um bom começo, mas eu sabia que ainda não era o suficiente para que tivéssemos a entrada permitida. Então, eu comecei a colocar a minha imaginação para funcionar e saí com essa conversa para o vigilante:
-É verdadeiramente impressionante o estado desse hotel. Já nos hospedamos aqui, no período de alta estação, ele estava lotado e cheio de vida. Hoje, ao passar por aqui depois de anos, fiquei perplexa com o que vejo agora.  
-É moça, hoje eu sou vigilante, mas eu trabalhava como garçom por aqui enquanto ele estava em plena atividade. Ainda não me acostumei, ainda me impressiono. Sinto saudade daquela época.
-Será que você permite que eu reviva os momentos que tive por aqui? Será que me deixaria olhar esse hotel por dentro?
-Claro! Fique à vontade.
Eu sabia que ele ficaria nos seguindo, isso era esperado, mas eu estava tomando o tempo dele. Sabia que ele teria que ir embora mais cedo ou mais tarde. E comecei a colher “singelas” informações que me diriam muito sobre a maneira de como eu deveria proceder para que aquele vigilante não desconfiasse que eu estava querendo alguns momentos íntimos no hotel que ele era pago para guardar. Continuei o papo:
-Ao chegar aqui não imaginei que tivesse um vigilante. Vi um abandono tão grande...
-É porque faz oito meses que não me pagam, então eu venho uma vez perdida. Já coloquei inclusive os sócios desse hotel na Justiça.
-Então você não passa à noite por aqui?
-Não! Fico somente até o finalzinho da tarde e depois vou para casa.
Bem, a tarde já estava findando. Comecei a me animar. Ele pareceu gostar da nossa companhia e ficou o tempo inteiro contando histórias antigas sobre o hotel e mostrando algumas suítes. Com pouco tempo, o telefone dele tocou. Acredito intimamente que era uma namorada, ele estava muito sorridente e dizia o tempo inteiro: “Chego já!”. Bingo! Essa mulher caiu do céu. Os ventos sopravam positivamente. Eu sabia que depois do telefonema ele havia ficado muito empolgado para ir para casa. Então, essa foi para mim a hora do xeque-mate. Ele ia sair, mas eu precisava pensar rápido e ter um bom motivo para dar para ele e poder permanecer naquele hotel após a sua saída. Então:
-Amigo, muito obrigada pela tua atenção. Percebi pelo teor do telefonema que alguém te espera. Não se atrase por nossa causa. Eu gostaria apenas de pedir tua autorização para visitar uma suíte, a 310. Foi nela que nos hospedamos na última vez que estivemos aqui. Você permite? Seremos rápidos, apenas o tempo de algumas fotos. Quero uma lembrança daqui.
-Ah, claro! A suíte 310 fica no final desse corredor, podem ficar à vontade. Mas adianto que ela está suja, vocês estão vendo que o hotel está abandonado, né?
-Sei perfeitamente onde fica essa suíte e não se preocupe. Não iremos demorar, como já falei, é apenas o tempo de umas fotos para guardar como lembrança. Será que existe na suíte 310 algo singelo que eu possa levar para mim para que de vez em quando eu possa provar para mim mesma que estive aqui?
-Acho que não. Esse hotel já foi completamente saqueado. Ah, espera um pouco! Tem um quadro que eu guardei aqui na recepção. Veja se gosta, se gostar, é seu.
-É lindo!
-Pode levar como lembrança então.
-Obrigada! Mas eu queria mesmo era algo lá da suíte 310.
-Se encontrar algo que te agrade, pode levar.
-Ei, sabia que eu sou escritora? Vou escrever sobre a história desse hotel, vou fazer de você um personagem e vou publicar tudo isso em meu próximo livro.
Ele saiu radiante de felicidade. Acreditou na minha conversa. Peguei o quadro, encostei-o na parede e enquanto o vigilante tomava o rumo de casa, eu corria com Maciel como dois adolescentes pelos corredores daquele hotel macabro. O desejo incalculável que eu sentia, deu lugar também para um medo grandioso. Embora eu nutrisse em mim a esperança de que tinha conquistado a confiança daquele homem, eu não parava de pensar nele. Imaginava aquele homem entrando com aquele facão na suíte 310 e cometendo atrocidades comigo. Foi uma sensação muito angustiante. Maciel sentia o mesmo, me confessou isso depois que saímos de lá, mas no momento em si, não demonstrou nada disso. Abriu com violência a porta da suíte. Me puxou com voracidade pelo braço e me arrastou para o banheiro. Me empurrou contra a janela e disse em tom de autoritário:
-É essa visão do mar que você quer, não é? Contemple-a!
-Amor, estou com medo! Ele sabe que estamos aqui!
-Calada! Faz um mês que você me provoca! Quer correr agora? Vai não!
Arrancou minha canga com gestos de mestre no assunto. O biquíni ele conseguiu rasgar. Nem se eu quisesse impedi-lo, não conseguiria. Fez o excelente uso da força masculina. Estava agressivo e cheio de desejo. Essa mistura provocou em mim uma sensação única. Gostei de cada primitivismo que aconteceu naquela suíte de hotel. O momento não era propício para preliminares demoradas, o medo castigava. Alcançamos o prazer em tempo recorde e de maneira intensa. Me vesti apressadamente, peguei a placa da suíte, de madeira, com o número 310, o quadro que ganhei do vigilante e saímos correndo daquele hotel repleto de energias. Ao chegar no carro, a queda da ficha. Maciel bombardeou-me demais:

-Você é louca! Você não tem um pingo de juízo! Isso é praticamente um suicídio, menina! Você reparou no tamanho do facão daquele cara? Você pensou na possibilidade de ele voltar? Sabe o que ele faria com você, não sabe? E depois, poderia até nos matar! Você é louca! Muito louca!

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